Nono
dia – 14 de abril de 2013 (Zampa)
Começamos
o dia com a notícia do assassinato ocorrido na noite anterior e relatado acima e com um pedido de carona
formulado não pelos interessados mas, pelo João. Os dois, pai e filho, tem um
oficina de reparação de motores e bombas e estavam indo para uma cidadezinha
nos confins de Santa Catarina – terra do pai – para participarem de uma reunião
familiar por ocasião dos 50 anos de casamento dos pais! A carona se justificava
pois, pelo lado rondoniense a viagem era mais fácil, porém a linha de ônibus
entre Colniza e Machadinho do Oeste estava interrompida desde meados de
dezembro de 2012! Chegando a Rondônia eles iriam até Ji-Paraná, onde pegariam um
vôo cheio de escalas e mais não sei quantas ligações de ônibus para chegarem ao
destino. Isso é que era aventura. O pai seguiu comigo e Lucas, na XTerra e o
filho com Newton, na L200. O pai ia contando estórias sobre este ou aquele
morador pelos caminhos que íamos passando. Conhecia quase todos os pontos e
pessoas, já que fazia manutenção nos motores espalhados pelas fazendas da região.
Contou também que já circulara por várias cidades de Rondônia; que trabalhara
em garimpos de cassiterita (http://cultura-beiradeira-ro.blogspot.com.br/2008/03/uma-perspectiva-histrica-e-ambiental.html)
onde enriquecera e depois “quebrara”: investira em terras sem titulação – como
a maioria delas – que depois foram invadidas, ima gine vocês, por uma comunidade evangélica! De
permeio o fim do casamento – sobre o qual não falou muito - tendo os filhos,
então muito novos, ficado com ele.
Nosso destino passaria por Machadinho do Oeste
e a depender da estrada seguiríamos para Ariquemes e talvez até a fazendinha no
meio do nada, entre Ariquemes e Monte Negro, onde mora meu pai. A conversa
solta e fácil ajudava a passar o tempo. O caminho se sucedia sem grandes
percalços. Cruzamos rios caudalosos, um deles, chamado “Água Branca” foi o que
fez nossa adrenalina aumentar. Sobre a ponte quase nenhuma água mas ao final
dela, cerca de 0,80cm cobria a estrada. Newton, que ia à frente, foi o primeiro
a ter a surpresa: sob a água, grandes buracos certamente feitos por carretas,
fizeram a L200 afundar sucessivamente a frente à direita e a seguir à esquerda,
num movimento que dificultou a passagem. Aos lados a água do rio oferecia forte
correnteza. A seguir fui eu, com a XTerra. Mesmos movimentos, mas sem surpresas.
A água cobriu o capô, a força do movimento arrancou do parachoque a placa da
XT, que flutuou e só não foi levada
embora pois se aninhou entre a antena, o parabrisa e o snorkel. Passado o
desafio, ao pegar a placa, surpreendentemente lá estavam também os dois
parafusos que a fixam! Até nosso caronista, homem experiente naqueles caminhos,
se surpreendeu com a fundura dos buracos. A situação tirou a concentração do
Lucas de maneira que nem mesmo conseguiu tirar uma única foto!
Duas horas e meia de
estrada depois de termos saído de Guariba, uma outra surpresa: um bioma
completamente diferente daquele que vínhamos cortando. A floresta densa,
exuberante, com árvores gigantescas e solo de terra vermelha coberto por
camadas de folhas em decomposição, cedeu lugar a uma área aberta, terreno
arenoso, arbustos pequenos, lagoinhas em meio à areia branquinha. Não deixava
de lembrar certos caminhos do litoral brasileiro. Na verdade, se visse as
fotos, sem o contexto, diria sem hesitar que eram do litoral. Não sendo geólogo
especulo que ali deveria ter sido o leito de grandes áreas inundáveis de algum
rio antigo
Passada aquela área, a
mata voltou a imperar e a estrada, plana, passou a ter grandes possas de
lama, mais amarela que vermelha (2577). Na verdade o grande Rio Roosevelt, não
estava muito distante. Esse rio recebeu tal nome após uma grande expedição em
que participou o ex-presidente norte-americano (http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Roosevelt).
Umas três construções, sendo duas delas bares, anunciavam que havíamos chegado
a mais uma travessia por balsa. Ao lado de um dos bares, uma torre de telefonia
e um orelhão, mantidos por uma placa solar. Enquanto esperávamos a balsa tentei,
em vão, telefonar para meus familiares em Rondônia para alertá-los de nosso
grande atraso. Era um gerador que garantia a refrigeração e o funcionamento da
TV.
Logo abaixo da
travessia começam as famosas e temidas corredeiras e cachoeiras do rio, razão
pela qual a balsa é amparada por um cabo de aço. Não fosse assim a qualquer
pane no motor, seria arrastada para um fim sem volta.(2605)
A topografia do
outro lado do rio, seguia anterior e não
tardou para que voltássemos a nos deparar com aquele bioma especifico e tal
raridade em meio à floresta amazônica não podia deixar de chamar a atenção dos
biólogos: uma placa anunciava que estávamos atravessando uma estação ecológica,
caracterizada por espécies bem distintas daquelas que vínhamos observando.
Grandes lajes de pedras, cortadas por aguinhas cristalinas me faziam lembrar as
Chapadas, dos Guimarães e Diamantina. As grandes toras, ocas umas, que serviam
para a travessia de água, ou troncos a servir de pontes arrancadas, mostravam
que tais singelos “corguinhos” podiam se tornar furiosos, ao sabor das chuvas.
Tivemos que passar por dentro de alguns e arriscarmos a travessia sobre
dois troncos que haviam sido deslocados pela força das águas de um
aparentemente dócil riozinho. Essa última operação exigiu algumas providências:
arranjamos pranchas, troncos e até mesmo pneus velhos que providencialmente se
encontravam por ali para diminuir o vão na saída pois, além da entrada e saída
serem em curva, os troncos pelos quais tínhamos que passar não estavam mais
paralelos. A situação só não estava pior porque a retro-escavadeira que seguia
sobre uma carreta, com a qual havíamos cruzado uns quilômetros atrás, havia
descido e arranjado um pouco o aterro para que eles próprios pudessem passar.
A partir dali foi
uma sucessão de pontes pequenas e uma ou outra grande, reconstruídas ao lado das
velhas, destruídas pela força dos rios. E a estrada se fazia cada vez mais
estreita. Rodados 142km cruzamos, sobre uma ponte reconstruída, o Rio
Madeirinha, e 05 km depois fica a entrada da “Rodovia do Estanho”, nome pomposo
demais para a estradinha que leva à Transamazônica, poucos quilômetros de Santo
Antonio do Matupi. Vamos passar por lá, mas seguindo outro roteiro. Lá pelas
14:00hs finalmente chegamos a um lugarejo anteriormente conhecido como Guatá, hoje Três Fronteiras, a 156 km, e 07:30 hs. de estrada de Guariba.
O lugar tem
um nome impróprio pois não faz fronteira com nenhum país e sim divisas, entre
MT/RO/AM. Como em quase todas as cidadezinhas da região, seus moradores tem
esperança de que em um futuro não muito distante a cidade vá crescer muito,
razão pela qual a avenida principal (também é a rodovia) é bastante larga e,
vista com os olhos de hoje, desproporcional ao movimento de pessoas e veículos.
As casas encontram-se esparsas; nos únicos restaurante e posto, um de cada lado
da avenida, almoçamos e abastecemos com diesel mais barato do que em Colniza.
Na parede do
restaurante um cartaz promovia um tipo de excursão comum em áreas de
fronteiras: compras e tratamento médico. Mas, não estando próximo à fronteira a
Colnizatur propunha levar passageiros até Guajará-Mirim, esta sim na fronteira
com a Bolívia, num percurso quase em U invertido, de cerca de 1.500km ida e
volta! O que leva pessoas às compras,
todos sabem, são os preços mais baixos em áreas de livre comércio, mas o
tratamento médico resulta de um fenômeno específico: médicos brasileiros
raramente querem se embrenhar pela Amazônia.
Se recusam a isso mesmo com os
fortes incentivos e grandes salários. Tem seus argumentos: as cidades grandes
oferecem mais “confortos”, mesmo que às vezes tenham que trabalhar como
alucinados e pouco possam desfrutar dos tais atrativos urbanos. Os médicos
bolivianos, pelo contrário, procuram as regiões de fronteira porque o público
brasileiro, ainda que pobre, tem melhor renda que o boliviano. Muitas
prefeituras da região contratam médicos bolivianos (às vezes
extra-oficialmente), mesmo sem terem seus diplomas revalidados no Brasil, pois
é a única forma que encontram para oferecer algum atendimento de saúde à
população. Há até uma discussão no Congresso para facilitar os tramites e a
instalação desses profissionais.
Saímos de Três
Fronteiras por volta das 14:30hs e pouco mais meia hora depois chegamos à balsa
do Rio Machadinho (é o mesmo Machado), depois de passarmos por um lugarejo
ainda menor chamado Pé de Galinha.
Mais umas dezenas de quilômetros de
terra e estávamos chegando a Machadinho, quando começou um trecho de asfalto e
aumentamos a velocidade. Imediatamente eu percebi que a XT perdera
completamente a força. Sempre que eu acelerava até o fundo o giro demorava a
subir. Depois o giro ficou mais ágil, mas não ganhava velocidade. A primeira
hipótese foi de que a embreagem tinha “ido pro pau”. A força da auto-sugestão é
tão grande que até cheiro de disco queimado eu passei a sentir. Também pensei na
hipótese de que o filtro de ar estivesse sujo. Parei e, em meio ao nervosismo e
descuido, fiz uma verificação apressada. Achei que o filro não estava sujo o suficente.
Nossa intenção era seguir para Ariquemes por estrada de terra, mas a situação de minha viatura, já ao cair da tarde, recomendou que fossemos por um caminho mais longo, porém asfaltado, passando por Vale do Anari e Theobroma. No caminho chamou nossa atenção uma igrejinha dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe, uma devoção quase onipresente no México e demais países latino-americanos e raríssima no Brasil.
Um belo por do sol nos acompanhou no findar deste domingo. Nossos caronistas iriam ficar em Machadinho, mas em razão de nossa decisão, decidiram seguir conosco até o entroncamento da BR 364 e dali buscar seu destino rumo ao sul. O nosso era no sentido inverso. Chegamos a Ariquemes às 19:30hs, tendo rodado mais de 500 km. Hotel, cervejinha e cama!